Imaginas como era a vida de estudante nos Séculos passados? Estás a pensar numa vida muito diferente da atual e estás certo. Mas sabias que há aspetos em comum com os dias de hoje?
A vida dos estudantes sempre foi marcada por rebeldia e, ao mesmo tempo, tradições. Pode parecer um contrassenso, mas os rituais académicos são história antiga nas universidades – e até em alguns colégios.
Algumas dessas tradições foram-se mantendo com o tempo e resistem até aos dias de hoje, com mais ou menos alterações. Mas, de resto, o ensino mudou muito nos últimos anos – e em tanta coisa, para melhor, felizmente!
Como era a vida de estudante antigamente?
Noutros séculos, a religião marcava muito o ensino e havia uma disciplina rigorosa. As regras eram rígidas para evitar que os estudantes andassem por maus caminhos. Assim, mantinham-se na linha dos bons costumes da época.
A vida estudantil confundia-se, em certas épocas, com a vida religiosa e muitos estudantes acabavam por tornar-se padres e bispos. A religião era uma das poucas alternativas de carreira que existiam!
Mas era graças a essa influência religiosa que muitas pessoas conseguiam formação, pois não havia outra forma de estudar.
Para as mulheres, as coisas ainda eram mais difíceis. Durante longos anos foram impedidas de ir à escola. A “escolha”, para algumas, eram os conventos de freiras, onde as meninas de boas famílias aprendiam as boas maneiras.
Era a chamada “educação feminina” que passava por aprender artes como bordar, para, no fundo, serem “boas esposas”.
Noutros séculos, a vida de estudante era bem dura, com muitas proibições à mistura. Mas até passavam frio e fome – é que se poupava em tudo, desde a comida à lenha.
Vem connosco nesta viagem ao passado, para aprender como era a vida de estudante noutros séculos…
Festa é antiga tradição estudantil
Se há aspeto em que a vida estudantil não se alterou assim tanto desde há Séculos, é na diversão! Os estudantes sempre foram amigos das festas, algo que se mantém até aos dias de hoje.
Os cronistas medievais relatam festas estudantis bem regadas a vinho. Na Universidade de St. Andrews, no Reino Unido, havia o “Fim-de-semana das passas”, uma tradição antiga que se prolongou por séculos.
Os caloiros tinham que dar aos seus “pais académicos”, ou seja, aos alunos mais velhos, um quilo de passas. Era a “paga” para os apresentarem à comunidade universitária.
Além disso, os caloiros tinham que enfrentar dois dias de desafios e festas em jeito de praxe académica. No final, havia uma enorme luta de espuma.
Em 1930, esse “Fim-de-semana das passas” foi tão descontrolado que a festa foi proibida durante três anos.
Na Universidade de Cambridge, também no Reino Unido, havia uma espécie de stand up do Século 16. Deste modo, havia estudantes que encenavam peças de comédia satírica para entreterem os colegas à noite. A borga ia até de madrugada, muito regada a vinho.
O poeta britânico Lord Byron (1788-1824), que frequentou Cambridge, descreveu essas “festas eternas”. Eram eventos onde participavam estudantes e outras figuras da sociedade, por exemplo, escritores e até padres.
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Protestos e revoluções
Outro aspeto em comum entre a vida estudantil de outrora e a dos dias de hoje é a rebeldia e a vocação para o protesto. Os estudantes sempre se envolveram em lutas políticas e foram, muitas vezes, decisivos para mudanças.
No Brasil, a força do movimento estudantil começou a ser notada ainda no tempo colonial. No período da Inconfidência Mineira, em 1788, os estudantes juntaram-se aos protestos separatistas contra os impostos cobrados pela Corte Portuguesa.
Mas o movimento estudantil brasileiro foi especialmente forte durante a ditadura militar, altura em que foram presas, torturadas e executadas centenas de pessoas. Os estudantes manifestaram-se muitas vezes contra o regime, apesar da violência militar.
Já mais recentemente, o movimento dos Caras-pintadas, contando com a participação estudantil, lutou contra medidas do então presidente do Brasil, Fernando Collor.
Mais recentemente, os estudantes brasileiros fizeram protestos contra o Governo de Michel Temer. Mas também protestaram contra a eleição de Jair Bolsonaro como presidente no movimento “Ele Não”.
Em Portugal, os movimentos estudantis também foram importantes em várias fases da história. Assim foi na revolta contra a monarquia e também na luta pela democracia, com as greves académicas de 1907 e de 1958-1962.
Durante o Estado Novo, os estudantes também se opuseram ao regime de Salazar. Algumas das figuras mais decisivas da luta contra esse regime ditatorial vieram dos movimentos estudantis. Um desses exemplos é o político Salgado Zenha, mas houve outros.
Já nos anos mais recentes, os estudantes têm continuado a influenciar a sociedade portuguesa, com destaque para as lutas dos anos 1990 contra as propinas que levaram ao aparecimento da “Geração Rasca”.
Regras e mais regras
A vida estudantil de outrora era muito controlada e cheia de regras! Tudo funcionava segundo princípios muito rígidos que ninguém podia evitar cumprir. Um cenário bem diferente da realidade atual, onde há mais liberdade – embora com regras.
Mas noutros tempos, a liberdade quase não existia! Os alunos tinham que cumprir regras apertadas que queriam controlar a sua moral e os bons costumes da época. Essas regras podiam envolver o que vestiam e até como falavam.
Assim, em alguns locais, os estudantes eram obrigados a falar em Latim uns com os outros. Note-se que o ensino académico era feito em Latim e o objetivo era dominar o mais possível a Língua. Em algumas instituições, usar outra Língua era visto como vulgar e dava direito a uma falha que era comunicada ao diretor da escola.
Mas em algumas universidades, podiam ser proibidas atividades como os jogos de futebol por desviarem os estudantes do foco no estudo.
Em Universidades britânicas como St. Andrews, os estudantes tinham que praticar arco e flecha, algo obrigatório em nome da defesa do reino em 1424. E em 1410, havia uma norma que obrigava os estudantes a morarem nos salões das faculdades e não em alojamentos na cidade. Era uma forma de os impedir de frequentarem tabernas e bordéis à noite.
Além disso, em 1453, havia uma lei que proibia o uso de “bonés com bico e vestidos abertos no pescoço mostrando camisas gays“. Já outra regra, em 1544, referia que deviam usar vestuário para dar ideia de “homens sóbrios” e do “tipo escriturário”.
Chá da tarde fazia parte do horário escolar
Nas primeiras universidades femininas, ou seja, só para mulheres, o horário escolar incluía o chá da tarde e era obrigatório participar! Além disso, só podiam receber a visita de pessoas do sexo masculino se fossem familiares e tinham que deixar a porta aberta durante todo o tempo da visita.
Claro que havia sempre quem não cumprisse as regras, com várias histórias caricatas pelo meio. Um desses exemplos é do poeta Lord Byron que, vendo-se proibido de manter um cão em Cambridge, levou um urso domesticado!
A autoridade máxima do professor
O professor tinha uma autoridade que hoje não tem, tanto nas escolas primárias como nas universidades. Nos séculos passados, era uma figura incontestável que tudo sabia e tudo podia dentro, e até fora, da sala de aula.
A confirmar essa autoridade máxima, os professores usavam uma espécie de traje de cerimónia que incluía uma túnica com mangas cumpridas.
Havia um distanciamento claro entre estudantes e professores. A familiaridade entre os dois lados era proibida. Tudo em nome de uma disciplina rigorosa e de um respeito quase reverencial para com o professor.
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Castigos corporais
Os castigos corporais eram algo habitual, tanto para os alunos rebeldes como para os que não sabiam as matérias estudadas. Os professores usavam, para esse efeito, chibatas, varas ou réguas de madeira, ou qualquer coisa que tivessem à mão.
Os estudantes tinham que recitar de cor os assuntos estudados e se não soubessem, eram castigados. Bem duro, e assustador, não? Até porque os professores mais violentos podiam, facilmente, passar das marcas, sem que fossem castigados, ou sequer alertados, por causa disso. Era uma impunidade quase absoluta!
Férias muito curtas
O horário escolar podia ser muito cheio e as férias bem curtas, se compararmos com os dias atuais. Nalguns casos, podiam ser de apenas 15 dias – sim, no ano todo!
Mas é preciso perceber que o calendário religioso da altura incluía vários dias festivos. Por isso, havia sempre mais dias de descanso em nome de rituais e práticas religiosas.
Bolseiros tinham que servir os outros alunos
Há uma falsa ideia de que, em outros tempos, a universidade era apenas para as elites mais ricas. Na verdade, não era sempre assim.
Nos séculos 16 e 17, nas principais universidades britânicas havia o que se chamava de “sizarships” que eram uma espécie de bolsas. Através deste apoio, muitos estudantes de classes médias podiam estudar de graça, desde que cumprissem certos deveres como servidores, prestando serviços nas universidades.
Assim, o sistema fazia questão de mostrar aos “sizars” que eram inferiores e estes bolseiros só podiam comer depois de servirem as refeições dos mestres e de outros alunos. Muitas vezes, só comeriam as sobras das refeições.
Além disso, os “sizars” tinham que usar fardas académicas diferentes dos colegas que pagavam as propinas.
Contudo, mesmo que questionável, este sistema permitiu formar figuras como o matemático e físico Isaac Newton, cuja mãe queria que ele fosse agricultor.
Alunos universitários podiam ter 12 anos
Na época medieval, e também mais tarde, até no século 17, as universidades admitiam estudantes de 12 anos.
Mas repara que os cursos universitários podiam ser bem longos naquela altura. Um curso de Teologia, por exemplo, poderia levar uns 12 anos a ser concluído. Por isso, mais valia começar cedo!
Há “Erasmus” desde o Século 12
As universidades britânicas recebem estudantes estrangeiros desde o Século 12. É um pouco à imagem do programa Erasmus que existe hoje em dia, na Europa, de intercâmbio de estudantes de diferentes países.
Naquela altura, já alguns alunos viajavam de bem longe para terem uma melhor educação, mas alguns acabavam por enfrentar algum preconceito. Eram alvo de discriminação, sobretudo se fossem naturais de países “inimigos” em tempos de guerra.
Mas muitos eram bem acolhidos e punham-se de lado quaisquer preconceitos.
Há também relatos históricos sobre a presença de estudantes suecos na Universidade de Leipzig, na Alemanha, na Idade Média.
Já havia residências universitárias
Estes estudantes suecos que chegavam a Leipzig ficavam a morar numa espécie de residência universitária chamada “bursa“. Funcionava, na verdade, como uma comunidade religiosa com rotinas rígidas que envolviam rituais de oração e de estudo.
Nestas “bursas“, o Latim era a única Língua permitida e havia um código de vestuário que era preciso cumprir.
Além disso, os estudantes estavam proibidos de lutar, de passar tempo com prostitutas, de jogar em tabernas e não podiam caminhar pela cidade durante a noite. Desrespeitar o regulamento valia multa ou uns dias na prisão.
Cometer crimes como roubar ou matar dava direito a expulsão da “bursa“.
Durante a Segunda Guerra Mundial, houve um fluxo de estudantes refugiados que fugiram de países atacados pelos nazis. E além da educação grátis, também recebiam vestuário, alojamento e comida num sinal de solidariedade.
Também tinham acesso a aulas de Inglês para facilitar a integração, algo que continua a repetir-se nos dias de hoje, por exemplo com a vaga de refugiados vindos da Ucrânia.
Como era a vida de estudante em comparação com agora?
Já sabes como era a vida de estudante noutros tempos e podes confirmar que é tudo muito melhor hoje em dia. Mas é importante conhecer a história e como as coisas foram, até para podermos valorizar ainda mais o que temos.
Gostaste desta viagem ao passado? Esperamos que sim. Aproveita para deixar a tua opinião sobre o assunto e sobre as dificuldades dos estudantes atuais.
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Artigo elaborado com base em informações da BBC History Magazine, da National Geographic e do site Medievalists.net.